sexta-feira, 9 de agosto de 2013

BREVE ENSAIO DE PONTY: SER NO MUNDO

Consciência é consciência perceptiva, é ser-no-mundo, é existência. Pode-se, assim, apreender o difícil movimento de Merleau-Ponty, da tradição filosófica em que foi formado, onde a consciência, o pensamento, ocogito cartesiano são fundamentos quase intocáveis, em direção inicialmente a uma filosofia fenomenológica existencial e posteriormente, ao campo de uma ontologia do sensível. 

Merleau-Ponty procura mostrar, metodicamente, que a relação do homem com o mundo se dá sempre, inicialmente, pela percepção, por uma relação direta corpo-mundo. Não toco uma mão-idéia, uma pedra-idéia, um mundo-idéia, toco com meu corpo o mundo. Se posso me pensar como sujeito (e essa é ainda uma concessão de Merleau-Ponty a uma filosofia da consciência), só posso fazê-lo como corpo vivido, como corpo no mundo.

Cabe agora comentar a posição de Merleau-Ponty quanto ao tema da intersubjetividade. Em seu ensaio de 1959, "O Filósofo e sua Sombra", Merleau-Ponty ampliará as concepções husserlianas e formulará uma possibilidade radical de compreensão da relação entre eu e o outro, não mais através das limitadas possibilidades de uma intersubjetividade concebida a partir da consciência intencional, mas sim a partir da experiência do corpo, propondo o campo da intercorporeidade: "Minha mão direita assistia ao surgimento do tato ativo em minha mão esquerda. Não é de maneira diversa que o corpo do outro se anima diante de mim quando aperto a mão de outro homem, ou quando o olho somente. Aprendendo que meu corpo é 'coisa sentiente', que é excitável- ele e não somente minha 'consciência'- preparei-me para compreender que há outros animalia e, possivelmente, outros homens.

 É preciso notar bem que nisto não há comparação, nem analogia, nem projeção ou introjeção. Se, apertando a mão de um outro homem, tenho a evidência de seu ser-aí, é porque ela se coloca no lugar de minha mão esquerda. No aperto de mãos, meu corpo anexa o corpo de outro numa 'espécie de reflexão' cuja sede, paradoxalmente, é ele próprio. Minhas duas mãos são 'co- presentes' ou 'co- existem' porque são as mãos de um só corpo; o outro aparece por extensão desta co- presença. Ele e eu somos os órgãos de uma só intercorporeidade. (...) Percebo primeiro uma outra 'sensibilidade' e somente a partir daí, um outro homem e um outro pensamento." (Merleau-Ponty, 1960, pp.212-213)

Preocupado com como formular teoricamente uma experiência sensível do mundo e, em particular, uma experiência sensível do outro que é sempre anterior ontologicamente à possibilidade de apreensão consciente que posso vir a ter de um outro, Merleau-Ponty escreve em sua nota de fevereiro de 1959, publicada postumamente em O Visível e o Invisível (1964):

"Fala-se sempre do problema do 'outro', de 'intersujetividade' etc. Na realidade, o que se deve compreender é, além das 'pessoas', os existenciais segundo os quais nós as compreendemos e que são o sentido sedimentado de todas as nossas experiências voluntárias e involuntárias. Este inconsciente a ser procurado, não no fundo de nós mesmos, atrás das costas de nossa ' consciência', mas diante de nós como articulações de nosso campo." (Merleau-Ponty,1964, pp. 233-234).


Paidéia (Ribeirão Preto) vol.12 no.22 Ribeirão Preto  2002
Consciousness, intentionality and intercorporeality

Nelson Ernesto Coelho Junior

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