Consciência é consciência perceptiva, é ser-no-mundo, é
existência. Pode-se, assim, apreender o difícil movimento de Merleau-Ponty, da
tradição filosófica em que foi formado, onde a consciência, o pensamento,
ocogito cartesiano são fundamentos quase intocáveis, em direção inicialmente a
uma filosofia fenomenológica existencial e posteriormente, ao campo de uma
ontologia do sensível.
Merleau-Ponty procura mostrar, metodicamente, que a relação
do homem com o mundo se dá sempre, inicialmente, pela percepção, por uma
relação direta corpo-mundo. Não toco uma mão-idéia, uma pedra-idéia, um
mundo-idéia, toco com meu corpo o mundo. Se posso me pensar como sujeito (e
essa é ainda uma concessão de Merleau-Ponty a uma filosofia da consciência), só
posso fazê-lo como corpo vivido, como corpo no mundo.
Cabe agora comentar a posição de Merleau-Ponty quanto ao
tema da intersubjetividade. Em seu ensaio de 1959, "O Filósofo e sua
Sombra", Merleau-Ponty ampliará as concepções husserlianas e formulará uma
possibilidade radical de compreensão da relação entre eu e o outro, não mais
através das limitadas possibilidades de uma intersubjetividade concebida a
partir da consciência intencional, mas sim a partir da experiência do corpo,
propondo o campo da intercorporeidade: "Minha mão direita assistia ao
surgimento do tato ativo em minha mão esquerda. Não é de maneira diversa que o
corpo do outro se anima diante de mim quando aperto a mão de outro homem, ou
quando o olho somente. Aprendendo que meu corpo é 'coisa sentiente', que é
excitável- ele e não somente minha 'consciência'- preparei-me para compreender
que há outros animalia e, possivelmente, outros homens.
Preocupado com como formular teoricamente uma experiência
sensível do mundo e, em particular, uma experiência sensível do outro que é
sempre anterior ontologicamente à possibilidade de apreensão consciente que
posso vir a ter de um outro, Merleau-Ponty escreve em sua nota de fevereiro de
1959, publicada postumamente em O Visível e o Invisível (1964):
"Fala-se sempre do problema do 'outro', de
'intersujetividade' etc. Na realidade, o que se deve compreender é, além das
'pessoas', os existenciais segundo os quais nós as compreendemos e que são o
sentido sedimentado de todas as nossas experiências voluntárias e
involuntárias. Este inconsciente a ser procurado, não no fundo de nós mesmos,
atrás das costas de nossa ' consciência', mas diante de nós como articulações
de nosso campo." (Merleau-Ponty,1964, pp. 233-234).
Paidéia (Ribeirão Preto) vol.12 no.22 Ribeirão Preto 2002
Consciousness,
intentionality and intercorporeality
Nelson
Ernesto Coelho Junior