Este
pequeno artigo visa a uma interpretação do filme Labyrinth (no Brasil, Labirinto
– A Magia do Tempo) do diretor norte-americano Jim Henson, o criador dos Muppets
e da Vila Sésamo. Em nossa análise, partimos do pressuposto de que a linguagem
do filme é de conotação mítica e, como bem expressam os mitólogos, todo o mito
possui um significado simbólico e imagético (a linguagem própria da psique
profunda) em que se entrelaçam quatro dimensões distintas: o mito trata de uma
visão simbólica sobre os processos de desenvolvimento das forças psíquicas
internas próprias do ser humano. Essas forças precisam, para se atualizar, de
se enfrentar com os aspectos sociais que se apresentam historicamente, ao mesmo
tempo em que fazem referência às forças inerentes ao inconsciente e às pulsões
mais básicas do ser humano (a floresta ou o oceano dos contos de fadas
populares), que são as raízes que ligam o ser às estruturas evolutivas estimuladas
pelo próprio ambiente e o cosmos inteiro. Nesse sentido, o filme de Henson parece,
quer seus autores tivessem ou não consciência disto – o produtor do filme, George
Lucas, da série Guerra nas Estrelas, foi profundamente influenciado pelos estudos
em mitologia de Joseph Campbell - refletir o esquema básico da mitologia conhecido
como:
A Jornada do Herói
–
no caso do filme em questão, da Heroína, que parte de um estado de consciência
imatura, passa por desafios, e retorna mais amadurecida, com uma nova percepção
de si mesma e da vida.
II
– A Jornada da Heroína.
O
psicanalista e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um dos mais importantes
estudiosos a se debruçar sobre os aspectos psicológicos dos mitos no século XX.
Ele demonstrou que a linguagem mais profunda da psique se expressa simbolicamente
e que os mitos, que são frutos da criação coletiva, apontam para aspectos do
desenvolvimento humano expressos de modo simbólico através do imaginário. Suas ideias
foram retomadas e desenvolvidas por pesquisadores como Mircea Eliade e Joseph Campbell.
Ambos
dirão quase a mesa coisa: “as imagens e símbolos expressam as mais profundas
modalidades do ser” (ELIADE, 1996), ou, como diz Campbell, os contos e
histórias que tem como base uma figura heróica – que não necessariamente
precisa ser um indivíduo, mas também pode ser um grupo de pessoas – expressam
figuradamente as capacidades de superação e transcendência presentes em todos.
Isso lembra os conceitos de processo de individuação, de Jung, ou da confiança
básica dos psicólogos humanistas na capacidade de auto-atualização ou
auto-realização,como postulam Carl Rogers e Abraham Maslow.
Deste
modo, costumava dizer Campbell que, em havendo condições favoráveis mínimas,
cada pessoa poderá ter a chance de desenvolver suas capacidades a partir dos
desafios da vida, como ocorrem, nos diferentes mitos do herói:
“Siga
sua bem-aventurança até lá, onde há um profundo sentido do seu ser, lá onde seu
corpo e sua alma querem ir. Quando você alcançar essa sensação, fique aí e não
deixe ninguém arrancá-lo desse lugar. E portas se abrirão onde você nem sequer
imaginava que pudesse haver algo."
Em
uma análise mais psicológica, Jung dirá que o herói de um conto ou mito é o ego
que se vê repentinamente envolto em desafios de toda a ordem, frequentemente
para lhe fazer ver que o mundo é mais amplo e mais dinâmico do que ele imagina.
Muitos dos desafios e monstros de sua jornada advêm do seu meio, mas eles estão
ligados igualmente às forças internas do inconsciente. Deste modo, parte da
força que o Ego percebe serem externas são, de fato, projeções de elementos que
o próprio sujeito possui de que seu ego não faz ideia, elementos esses - como
coragem, generosidade, compaixão – que só se sabe que se tem diante de
desafios. Neste sentido, o filme de Henson expressa à perfeição essa jornada de
autoconhecimento e maturação. Talvez isso explique, em grande parte, o fascínio
deste filme que, apesar de não ter sido um sucesso de bilheteria à época de seu
lançamento (1986) se transformou em um Cult, marcou a infância e a adolescência
de muita gente e vem se consolidando com uma legião de aficionados que vem
crescendo nestes últimos 24 anos.
III – Sinopse da história e
interpretação do seu significado.
A
jovem Sarah Williams (interpretada pela belíssima Jennifer Connelly que, na época,
ainda não tinha completado 15 anos), é uma garota sensível, que adora os
personagens do livro Labyrinth. O filme inicia-se com Sarah, vestida ao estilo medieval,
citando os trechos finais do livro.
Logo
depois, ao badalar do relógio, a jovem é despertada de seu mundo de fantasia e
ficamos sabemos que Sarah é uma jovem adolescente órfã de mãe e que se sente
ofendida pela madrasta, que a faz ficar em casa tomando conta de seu meio irmão
Toby, enquanto ela e o pai saem para se divertir. Sarah se acha impedida de ter
vida própria (não é isso o que sete a maioria dos adolescentes, que se vêm
crescidos demais para serem vistos como crianças, mas ainda jovens demais para
terem a liberdade que sonham?) e, inevitavelmente, culpará os pais e o
irmãozinho de menos de dois anos por isso.
A
ver que um de seus ursinhos estava faltando em seu quarto, Sarah corre ao quarto
do irmão e, irada, pega o ursinho do chão, afirmando que odeia o bebê. Ao mesmo
tempo, devido à tempestade que cai lá fora, o bebê, visivelmente assustado com os
trovões e, relâmpagos chora desesperadamente. Sarah começa a desabafar contando
a história de uma linda garota que era obrigada a cuidar de seu irmão menor.
Nãoagüentando mais o choro do bebê ela expressa o desejo de que o rei dos
Gnomos, Jareth (interpretado pelo famoso roqueiro David Bowie) viesse e levasse
o irmão para seu reino mágico. E é exatamente o que acontece. Ao agir assim,
Sarah demonstra ser como todos os heróis: uma pessoa imperfeita, falível, mas
que reconhece seu próprio erro. Ou seja, estava pronta pela vida (e pelo
destino) a adentrar em uma aventura que permitisse amadurecer suas qualidades
positivas, apesar de seus traços ainda infantis, psicologicamente falando.
É
assim que, arrependida do que desejou, Sarah implora ao Rei dos Duendes (que
demonstra uma clara “queda” pela mocinha) que devolva o irmãozinho. Jareth de início
tenta convencer Sarah, por meio de um afago ao ego, de que estar sem o irmão traria
vantagens para ela. Sarah, contudo, já despertou o suficiente para superar essa
tentação e implora pela volta do irmão. Jareth então diz que ela o terá de
volta se conseguir, dentro de 13 horas (e ai vemos o tempo psicológico
transcendendo o tempo cronológico. São 13 horas porque no mundo do
desenvolvimento interno o tempo não segue o padrão do relógio que, como
sabemos, marca apenas doze horas em seu mostrador), chegar ao centro do
labirinto mágico, onde está seu castelo, ladeado pela cidade dos gnomos ou
duendes. Vemos que a aventura de Sarah se dá em um espaço diferente do trivial,
o espaço da significação psicológica, com características próprias. A busca
pelo irmão no centro do labirinto é o caminho de reconhecimento de suas
próprias capacidades. Sarah busca o centro do labirinto e, com isso, caminha ao
reconhecimento de seu próprio Self, seu centro interno, sua essência.
Sarah
recebe o chamado da aventura e não o recusa. Ela assume sua decisão de ir em
busca do irmão, passando por inúmeros perigos e dificuldades, mas que a fará conhecer
amigos e ajudantes pelo caminho, como o aparentemente inútil Hogle, o afetuoso
grandalhão Ludo e o espevitado Fox Terrier Sir Dydimus. Ou seja, ela adentra no
modelo do herói: por escolhas acaba por cair em uma aventura e se lança em
busca ao desconhecido, o labirinto, onde passará por dificuldades e enfrentará
os perigos até se encontrar, finalmente, com seu grande rival, Jareth,
encontrando, pelo caminho, ajudas improváveis. Cada uma dessas criaturas ajuda Sarah
a entender parte de sua própria realidade e capacidade íntima.
No
final, Jareth, aparentemente querendo fazer o mal, é como Mefistófeles no Fausto
de Goethe: por mais que queira fazer o mal, acaba por fazer o bem. Jareth é a representação
das projeções da própria Sarah, sua sombra, sua personificação de capacidades
boas e más. No final, Jareth é seu professor. Poderia como tenta, fazer Sarah
fracassar em seu processo de individuação, quando ele mais uma vez a tenta ao dizer
que daria tudo o que ela mais desejasse se ela o amasse e obedecesse. Sarah, contudo,
aprendeu com sua viagem por este mundo que esta promessa era mais uma armadilha.
Muita gente que assistiu ao filme sonhou ou desejou que a menina aceitasse o convite
de Jareth, o que equivaleria a vender sua alma. Mas a moça integrou a força sedutora
dos arquétipos em si, fortaleceu o Ego (que não é mais egoísta) e triunfa do último
grande desafio que lhe foi dado: a tentação de viver fora do mundo real (o que derruba
muita gente no universo da fantasia com traços da loucura).
Quando,
finalmente, Sarah reconhece, na cena do enfrentamento final, que Jareth não tem
poderes sobre ela, ela o derrota – ela integrou os aspectos de seu próprio inconsciente,
reconhecendo que os poderes do rival são dela mesma – e, supera seu erro e sai
da experiência triunfante e amadurecia, renovada e possuidora de um novo
patamar de identidade. O incrível é que essa mesma sensação de completude e
alegria atinge uma parte grande das pessoas que assistem o filme, jovens e
adultos, indicando que ele desperta nos mesmos uma empatia inconsciente com a
personagem central.A jornada de Sarah pelo labirinto é uma metáfora da jornada
ao autoconhecimento que todos nós somos convidados a fazer pela vida, mas que
poucos têm coragem de aceitar.
Carlos
Antonio Fragoso Guimarães